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sexta-feira, 11 de junho de 2010

O Crock do Crack

Em uma viagem recente à capital paulista pela universidade conheci o local mais inimaginável que podemos construir em nossas mentes. Um dia lindo com um sol brilhante, com toda certeza um clima perfeito para conhecer o desconhecido e explorar o que me caia como novidade. A primeira visão que me chamou a atenção de dentro do ônibus foi um casarão antigo, num belo estilo inglês, embora deslumbrada pela curiosidade, rapidamente desmoronei com a cena seguinte, centenas de pessoas (ou milhares) espalhadas pelas ruas, no chão ao meio de infinitas montanhas de lixo e ratos mortos disputando um lugar para fumar sua pedra de crack. Ali, naquele momento obscuro percebi que há realidade na televisão, tudo que assistimos nos noticiários são verdades, mas ao vivo espetacularmente a dimensão é mil vezes maior do pouco que divulgam nos meios de comunicação. O que achei que apenas assistiria por alguns minutos, não teve fim, andamos por muitos quarteirões de ônibus, e de repente o ônibus parou, as horas batiam perto do meio dia. Era hora de descer e por os pés na cidade para conhecermos o Museu da Língua Portuguesa estávamos em torno de 40 pessoas, ao descer e avistar a Estação da Luz (Central de metrô em SP) não tive dúvidas que seria um passeio cheio de emoções, e o maior sentimento que acompanhava-me era o medo.
Para minha surpresa o responsável da viagem avisou quando descemos do ônibus que nos pegaria de volta para seguir viagem às 19 horas, seguimos pela rua, dobramos a esquina e estava ocorrendo uma exposição de carros antigos, policiamento pesado presente, naquele trecho não haviam pessoas se drogando, apenas um ou outro pedindo dinheiro, cigarro ou algo para comer. Fotografamos o grande grupo, entramos no museu, os grupos se dividiram, em pouco tempo estava eu e meu namorado ali explorando o reino das palavras, no outro lado da rua havia a Praça da Luz e a Pinacoteca de São Paulo (espaço de obras de arte), batiam às 15 horas e não sabíamos o que fazer, aparentemente não havia mais ninguém da excursão nas dependências do museu, haviam ido passear de certo em locais de São Paulo... quando íamos sair encontramos duas colegas que estavam perdidas como nós naquela imensidão caótica, nos juntamos e saímos, pois não havia mais nada para fazermos por ali. Passeamos pela praça, assistimos a um teatro improvisado em um ônibus antigo no meio da praça, naquele espaço as pessoas se divertiam passeando ao meio da natureza, as crianças correndo e alguns poucos com instrumentos musicais mostravam seu talento.
Depois tentando matar o tempo entramos na estação da luz, tiramos fotos, e saímos pelo outro lado da rua, estávamos ali no meio do lixo, das montanhas de pessoas suicidadas pelo crack, verdadeiros zumbis humanos esquecidos pela sociedade e ignorados pela hipocrisia. A ânsia do choro que me abraçava no início destas linhas agora me colocava ao meio de um alvo, com o dardo da culpa apontado para mim, afinal, nunca me interessei no por que as pessoas se drogavam, ou nunca questionei a mim mesma: o que eu fiz pra que isso não acontecesse? Votei errado, nesses quatro anos de faculdade apenas estudei a teoria e não vivi a prática da vida? Vivemos numa sociedade falida, fala-se de crise, ela não existe apenas no capitalismo que nos sustenta. A crise que habita o ser humano é fechar os olhos para os problemas, e muitas vezes queremos sumir para não enfrentar as situações que nos incomodam. Viver é bom, sobreviver é o desafio da vida.
Ficamos com medo de atravessar a rua, minhas pernas trêmulas não queriam mais sair do lugar, ao olhar para cima avistei arranha-céus de dezenas de andares, sucateados, a fachada pichada, sem portas, janelas, um patrimônio abandonado. Resolvemos enfrentar o medo, após um grande momento de reflexão, neste meio tempo encontramos mais algumas pessoas de nosso grupo e enfrentamos a rua, ao meio da quadra um restaurante, com uma aparência boa, pois haviam muitos bares, no mais estilo buteco de esquina, o tráfico rolando solto... Entramos neste restaurante e ali nos alimentamos, tomamos café, conversamos, e matamos o tempo assistindo policiais jogando as pessoas nas paredes do outro lado da rua, batendo com o cassetete e levando pra dentro das viaturas.
Passou o tempo, a noite caiu, e o caos aumentou, gostaria de pensar em tudo isso e ver como exagero, de me autodenominar um ser dramático que só enxerga tragédia nas pequenas coisas da vida. Em cada quarteirão havia uma Delegacia da Guarda Civil Metropolitana, carros de polícia passando em alta velocidade, ao nos dirigirmos ao ponto que o ônibus nos buscaria passamos na frente de uma delegacia dessas, corriqueiras, um rapaz aparentemente com uns 30 anos queixava-se a um policial que lhe fazia pouco caso, que havia sido assaltado em poucos segundos atrás, notava-se o sotaque nordestino, e comentou ainda depois que o policial lhe perguntou se estava com o psicológico abalado: - Eu tenho o psicológico muito bom por ter abandonado a minha terra e agora estar sobrevivendo nessa cidade que me tapou os olhos a ilusão.
Dobramos a esquina e lá estava o ônibus, chegamos, e duas meninas desceram apavoradas, naqueles últimos momentos de espera para ir embora, o caos era a possibilidade de invasão do ônibus. Ficamos na rua aguardando os outros chegarem, o medo que já tinha virado pânico, transformou-se no sentimento de apenas querer voltar vivo daquele lugar não importando o que acontecesse. A movimentação era intensa, o tráfico, a prostituição por uma pedra de crack, o consumo de drogas, pessoas transformadas em zumbis parando e nos pedindo dinheiro, pedindo o que comer, pedindo cigarros, pedindo “nos leve embora daqui”, eu quero viver! Era o grito da alma que batia em nossos inconscientes. Histórias e mais histórias por terem acabado a suas vidas morando na rua e consequentemente tiveram que se inserir ao meio para sobreviver. Acredito que se ignoramos tudo e todos os problemas sociais que nos rodeiam vamos todos acabar como zumbis nas ruas, neste mundo que se encontra mais que abandonado por nós mesmos.

Um comentário:

Unknown disse...

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